domingo, 23 de fevereiro de 2014

Ameaças dentro do Judiciário marcaram caminhada da Lei da Ficha Limpa

FICHA LIMA JUZ Ameaças dentro do Judiciário marcaram caminhada da Lei da Ficha Limpa
 
 
Como um juiz de primeira instância do interior do Maranhão – estado com mais baixo IDH do país e, a exemplo de outros, dominado por oligarquias políticas – conquistaria aliados para apresentar aos congressistas uma proposta de iniciativa popular que prejudicaria muitos deles, por suas biografias suspeitas? Pelo ‘exagerado otimismo’ de Marlon Jacinto Reis, o protagonista desse script.
 
A gestação da Lei da Ficha Limpa se confunde com sua história. Na década de 90 o rapaz mulato, pobre, sem raízes nas esferas judiciais tinha tudo para virar um peão. Com espírito revolucionário, estudou e conquistou sua toga por mérito. Forjou na cabeça que não seria impossível neste século 21 quebrar resistências ao debate que acabou por aperfeiçoar a Lei de Inelegibilidades (1990). Seria sim muito difícil, e foi.
 
O ano era de 1999. A Seleção Brasileira perdera a Copa, mas estava feliz. O presidente Fernando Henrique Cardoso se reelegera com folga e a economia ia bem, apesar dos primeiros sinais da crise internacional que respingaria por aqui. Naturalmente qualquer mandatário perguntaria o que mudar na legislação? Marlon e amigos promotores estavam insatisfeitos. Ressuscitou o espírito revolucionário da juventude, a ponto de bancar excursões pelo interior do Maranhão e Piauí, num trabalho voluntário nos fins de semana, de conscientização popular para barrar candidatos processados na Justiça. Ele não sabia, já iniciara a campanha da Ficha Limpa – muitas vezes sob a mira de olhares desconfiados e
 
“Organizamos comícios, bairro por bairro, reunimos mais de 2 mil pessoas em praça, para pedir que denunciassem compra de votos”. Ao passo que o povo adorava aquele novo tipo de comício – ninguém pedia voto ou prometia nada – o juiz comprou briga com boa parte dos tribunais dos dois estados. Os magistrados mais veteranos se enciumaram, mas também houve aqueles que o ameaçaram por serem ligados aos mandatários com processos. E volta aquela história: todos se conhecem.
 
“Por conta desse movimento fui vítima de uma grande incompreensão no Tribunal de Justiça”, revela Marlon. “Havia desembargadores que queriam que eu fosse afastado da magistratura, e diziam que minha atitude era política”.
 
Isso era pouco. Resistência e ciumeira há em qualquer profissão. Ironicamente passou a ser chamado de “Ovelhinha Negra” do TJ. “Chegou a haver um pedido de afastamento, mas a decisão não saiu. Respondi a muitos processos administrativos disciplinares. Nenhum deles tratava disso, mas tudo que acontecia comigo virava um processo. Eu era malvisto dentro da própria magistratura”. Isolado e decepcionado, já decidira deixar a carreira. Não fosse uma conversa com um bispo católico amigo, hoje talvez não teríamos a Ficha Limpa. Aconselhado a ficar, resistiu.
 
Foi num desses encontros, em 2002, na pequena Santa Filomena, Sul do Piauí, que nasceu a ideia da Lei – muito além da Inelegibilidade – para enquadrar de fato políticos enrolados. Foi na mesa de boteco a primeira ata informal do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) – hoje são 330 comitês espalhados pelo país.
 
O aniversário do juiz sempre foi marcante. No dia 10 de Dezembro de 2007 o MCCE iniciou para valer o projeto, que culminaria com a entrega do calhamaço com 1,3 milhão de assinaturas dia 29 de Setembro de 2009, no Congresso Nacional e com ampla repercussão. “Nosso maior objetivo sempre foi mobilizar as pessoas. Eu desafio qualquer outro movimento a demonstrar que fez um trabalho de base tão profundo quanto o nosso”, relata o juiz.
 
 
Com informações da Coluna Esplanada

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