"Teste, teste, teste. Teste todo caso suspeito. Se for positivo, isole e descubra de quem ele esteve próximo". Replicada no início da epidemia, a frase do diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde), Tedros Adhanom, se viu atropelada pelo desenrolar da Covid-19 no Brasil.
A ampliação da testagem ficou na promessa - ou nas promessas, pois não foram poucas.
A principal delas foi a previsão de ofertar 46 milhões de testes até setembro. Seriam 24 milhões de testes moleculares (que verificam a presença de material genético do vírus em amostras das vias respiratórias) e 22 milhões de testes rápidos (que verificam a presença de anticorpos a partir de amostras de sangue).
Até agora, porém, só 12,3 milhões desses testes foram distribuídos aos estados, abaixo do previsto em cronograma inicial do programa Diagnosticar para Cuidar, que apontava 17 milhões até o fim de maio.
A testagem brasileira - foram feitos no SUS 1,2 milhão de testes moleculares, considerados mais precisos, e, se somados os da rede privada, 2,1 milhões - ainda é considerada baixa para uma população de 210 milhões e atrai críticas recorrentes.
Questionado, o Ministério da Saúde não informou o total de testes rápidos aplicados na rede pública. Com a rede particular, diz, chega a 2,6 milhões.
Mesmo com a oferta limitada, o país é hoje o segundo em número de casos registrados da Covid-19, com mais de 1,8 milhão de pessoas infectadas, menos apenas do que os EUA, que já contam mais de 3,2 milhões, um quarto do total global. Mas especialistas indicam que o Brasil ainda tem forte subnotificação.
Para o sanitarista Cláudio Maierovitch, a ausência de testes dificulta saber o número real de casos da doença no país e controlar a epidemia. "Testar um caso, rastrear contatos, testá-los e isolar é o que permite o controle da doença onde ela está acontecendo", afirma. "Sem testes, não se chega aos contatos dos contatos, e a investigação para no primeiro elo da cadeia [de disseminação]."
Nos últimos cinco meses, o ministério fez diferentes anúncios sobre testes. Além do aumento na quantidade, os planos envolviam coleta de amostras de pacientes com sintomas leves e expansão de laboratórios.
Boa parte dessas medidas ficou só no papel. Um raro avanço ocorreu na capacidade de laboratórios públicos, que foi de 1.600 testes por dia, em março, para atuais 14 mil.
Outras ainda não vingaram por completo, como a ideia de realizar 30 mil testes em um centro de diagnóstico instalado em parceria com a rede Dasa, que receberia insumos e amostras da rede pública.
Até esta última semana, o centro realizava no máximo 3.500 testes por dia. Em contrato, que falava em ampliação progressiva, a previsão era que já fossem feitos entre 13,5 mil e 18 mil por dia na fase atual. "Vamos crescer essa capacidade conforme a entrega de equipamentos do ministério e a capacidade dos municípios de enviarem amostras", diz o diretor médico da Dasa, Gustavo Campana.
Também em abril e maio, o ministério anunciou que iria instalar postos drive-thru em cidades acima de 500 mil habitantes para testar casos leves. Mas a medida -cujas amostras seriam enviadas a Dasa e Fiocruz, por exemplo- não foi implementada.
Também ficou pela metade a ideia de usar o Telesus, sistema telefônico criado no fim de março para orientar a população sobre sintomas de Covid-19, como mecanismo de rastreamento de contatos de casos confirmados e oferta de testes a grupos de risco.
"Nossa intenção era transformar o Telesus em um grande sistema de rastreamento", diz o ex-secretário de Atenção Primária Erno Harzheim, que era da gestão de Luiz Henrique Mandetta. Questionado sobre a medida, o ministério não respondeu.
Com o atraso, a pasta anunciou no fim de junho uma nova estratégia, que prevê usar centros de atendimento a Covid na atenção básica para coletar amostras também de casos leves, e não apenas os que chegam graves a hospitais.
Até agora, 807 desses centros já foram habilitados. Segundo Mauro Junqueira, do Conasems (conselho de secretários municipais de saúde), municípios esperam apenas a entrega de insumos para iniciar a coleta, ainda sem prazo específico. Ele admite que o total aplicado de testes ainda é baixo. "Mas esperamos virar o jogo."
Para Carlos Lula, secretário de Saúde do Maranhão e presidente do Conass, que reúne gestores estaduais, a estratégia inicial de testagem no país foi confusa.
"Nossos laboratórios não estavam preparados e houve em alguns casos falta de swab [instrumento usado para coleta de amostras respiratórias, similar a um cotonete] e de testes PCR, e, assim que chegaram os testes rápidos em alguns estados, já tínhamos uma curva muito acentuada da doença."
Segundo Marco Krieger, vice-presidente de inovação e produção da Fiocruz, um dos problemas do atraso na ampliação de testes foi a falta inicial de informações sobre o vírus.
O cenário mudou com a chegada do vírus à Europa e a declaração de pandemia -o que levou à dificuldade de obter insumos e à necessidade de ampliar a produção, estimada inicialmente em 50 mil testes. Até agora, foram entregues pela Fiocruz 5,2 milhões de testes. A previsão é chegar a 11,5 milhões até setembro.
"O primeiro gargalo foi a produção, mas isso já está superado", diz ele, segundo quem há agora outros a enfrentar, "como insumos de coleta e logística das amostras".
A concorrência por insumos e problemas de logística também são apontados pelo ex-ministro da Saúde Nelson Teich. "Nossa expectativa era em junho fazer já 60 mil testes por dia."
Procurado, o Ministério da Saúde diz que começou a busca por testes ainda em janeiro, mas que a corrida global provocou falta de insumos. Segundo a pasta, uma operação de compra de 15 milhões desses materiais começou a ser feita com apoio da Fiocruz em abril. Desse total, 1 milhão já foi distribuído, e a previsão é entregar outros 200 mil por semana.
Em nota, o ministério diz ainda que "está ampliando a capacidade de testagem na rede" e que mantém a previsão de entrega de 46 milhões de testes. Mas não informou quantos já foram adquiridos.
Por Natália Cancian | Folhapress
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