Em entrevista na noite desta quinta-feira (1º/4), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou aberta a possibilidade de o PT buscar alianças com setores de centro para a eleição de 2022 e criticou outros presidenciáveis que publicaram na quarta (31) um manifesto em defesa da democracia.
“O PT é um partido grande. Vamos construir alianças com setores de esquerda. Se for preciso alianças com o centro, vamos tentar”, afirmou, em entrevista ao jornalista Reinaldo Azevedo.
O manifesto criticado pelo ex-presidente foi assinado por Ciro Gomes (PDT), Eduardo Leite (PSDB), João Amoêdo (Novo), João Doria (PSDB), Luiz Henrique Mandetta (DEM) e Luciano Huck (sem partido).
“Aprovo qualquer manifesto que defenda a democracia. Mas todos eles tiveram a chance de deixar a democracia garantida e votar no Haddad [na eleição de 2018]. Mas preferiram votar em Bolsonaro”, disse o ex-presidente. “O Ciro foi pra Paris”, alfinetou Lula.
O petista conversou por uma hora e 20 minutos Azevedo no programa de rádio É da Coisa, da BandNews. Ainda sobre o “Manifesto pela Consciência Democrática”, Lula lançou outra provocação que levou Azevedo aos risos. “Tome muito cuidado com isso, quando tenta pescar em terra seca, não tem peixe. Num país deste tamanho, você não inventa candidato. Quando inventa, o resultado é nefasto.”
O documento gerou críticas em setores de esquerda pela oposição que representa à candidatura de Lula em 2022. Para os presidenciáveis, a participação do petista representaria uma repetição da polarização do pleito anterior, com a disputa de dois políticos tidos por eles como populistas e extremistas.
Sobre a eleição presidencial do próximo ano, Lula disse que não necessariamente precisa ser candidato, embora esta hipótese não seja considerada nem no PT nem no meio político em geral.
“Neste ano de 2021 não quero discutir 2022. Este ano é ano de todos nós que temos responsabilidade fazermos um esforço para que este país tenha vacina para todo mundo, que é a única garantia que vamos ter. Precisamos ter auxílio emergencial pro trabalhador poder ficar em casa e comer. Precisamos de auxílio pro microempreendedor poder continuar existindo.”
Ao longo da conversa, Lula disparou críticas contundentes ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a quem chamou de “genocida” na condução do país na pandemia.“Espero que o Bolsonaro esteja assistindo essa entrevista. Porque queria mandar um recado pra ele: Deixe de ser ignorante, presidente. Quando tiver vacina pra todo mundo, aí todo mundo vai querer voltar a trabalhar. E o país vai crescer.”
Na atual conjuntura, disse, não há solução para o Brasil. “Qual é a confiança que Bolsonaro passa ao povo brasileiro? Que confiança Guedes passa? Essa gente não fala em povo e em política social. o Guedes precisa dizer como o estado vai fazer investimento.”
Lula completou que Bolsonaro deveria parar de falar apenas com seus milicianos e passar a se dirigir, com responsabilidade, aos 200 milhões de brasileiros.
Em grande parte da conversa, Lula também criticou as ações da Lava Jato que levaram a sua prisão em 2018. Condenado em segunda instância, foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa e impedido de disputar as últimas eleições presidenciais.
Em março, porém, decisões do Supremo Tribunal Federal, como a relativa à suspeição do ex-juiz Sergio Moro na condução do processo do tríplex de Guarujá, devolveram ao petista a chance de se candidatar.
“Eu fiquei feliz de tirar a Lava Jato da minha vida. Não tenho mais nada com a Lava Jato. Durmo tranquilo. Tenho certeza de que Moro e Dallagno [ex-coordenador da Lava Jato] não dormem tranquilos”, disse Lula.
“Quando começou o processo, tinha consciência de que o objetivo era achar um pretexto pra tirar o Lula da eleição. Então houve várias mentiras. Moro já estava condenado a me condenar.”
As críticas foram ecoadas por Azevedo, uma das principais vozes da imprensa contra os métodos da Lava Jato. Desde a condenação do petista, em 2018, o jornalista afirma que a sentença de Moro não demonstrou as provas de corrupção.
O jornalista iniciou a entrevista afirmando que “este senhor [Lula] foi condenado sem provas, naquilo que considero uma farsa judicial.
“Li a sentença de Moro e perguntei: onde está a prova? não encontrei a prova”, prosseguiu.
A conversa teve tom descontraído, com Azevedo perguntando se Lula era romântico e mesmo imitando a voz do petista. “Ficou boa [a imitação]”, brincou Lula. “Da próxima vez que divulgarem minhas conversas, vou dizer que a voz é do Reinaldo Azevedo.”
Nos governos Lula e Dilma Rousseff, contudo, Azevedo foi um opositor contumaz do PT. Cunhou o termo “petralha”, referência aos irmãos Metralha, ladrões do desenho animado, e fez duras críticas a Lula em razão dos escândalos de corrupção em seu governo.
Em 2011, por exemplo, escreveu que “este Brasil que manda a política para a página de polícia é uma criação genuína de Luiz Inácio Lula da Silva” e “mais perverso do que ter transformado a corrupção num método, Lula fez dela uma forma de ‘resistência política’, contra supostas elites que estariam a espreitar a verdadeira revolução que ele diz ter feito no Brasil”.
A despeito de suas críticas à Lava Jato, Azevedo afirmou que era preciso reconhecer que “houve problemas” na Petrobras. Questionado a respeito do que deu errado na gestão da empresa, Lula louvou a estatal e minimizou a participação do PT nos casos de corrupção. As principais denúncias eram referentes a funcionários de carreira, não a indicados pelo PT, afirmou.
“Acho que pode ter havido corrupção, é preciso investigar”, e completou: “A Lava Jato queria menos combater a corrupção e mais combater a política”.
Num possível aceno ao mercado, Lula disse que em 2002 soube conseguir buscar apoio fora da esquerda, formando chapa com o empresário José Alencar, o que chamou de maior aliança do capital com o trabalho na história do país.
O jornalista então indagou a possibilidade de ter como vice em 2022 outra empresária, Luiza Trajano, presidente do conselho de administração do Magazine Luiza.
“Tive extraordinária relação com Luiza, Dilma também. É uma mulher excepcional. Mas não acredito que ela se meta na política”, respondeu Lula.
Tentando diferenciar sua imagem da de Bolsonaro, Lula destacou também que sempre prezou a liberdade de expressão e teve boas relações com empresários da comunicação.
“Tive boas relações com os Saad [Bandeirantes], com Silvio Santos, com a família Marinho [Globo], com os Frias [Folha], com o Estadão… Mesmo quando você triturava o PT, nunca ninguém recebeu um recado meu pra você”, disse o ex-presidente.
Ao que Azevedo respondeu: “Nunca perdi um emprego por conta do governo Lula. Lava Jato e Bolsonaro me tiraram três”.
Folha de SP
Nenhum comentário:
Postar um comentário